Millôr Fernandes nasceu em 16 de agosto de 1923, no Rio de Janeiro. Ele foi um dos mais importantes e influentes artistas do humor no Brasil, destacando-se por sua irreverência, ironia e crítica social presentes em seus textos, charges e peças teatrais. Na década de 1960, alcançou notoriedade por suas colunas de humor em publicações como Veja, O Pasquim e Jornal do Brasil, que se tornaram marcos do humor e da contestação política durante o regime militar no Brasil. Em comemoração ao seu centenário, a L&PM reedita os títulos abaixo em sua homenagem. | | Foto: Marcos de Paula/Agência Estado |
| 37 anos de amizade Por Ivan Pinheiro Machado Agosto de 1975, o ônibus leito subia a sinuosa BR-116 no trecho de Vacaria, deixando o Rio Grande para oficialmente adentrar o Brasil. O humorista Fraga, o desenhista Edgar Vasques e eu rumamos para o distante Rio de Janeiro, com o objetivo de apresentar nossa pequena editora e propor à "intelligentsia" brasileira um super ambicioso projeto: a realização de uma antologia brasileira de humor.
Vivíamos sob a truculenta ditadura militar, onde uma violenta censura assombrava as redações dos jornais em todo o país. Curiosamente, a única "fresta" que existia para contestar o regime era o humor. Henfil, Ziraldo, Millôr, Fortuna, Claudius, Caulos, Miguel Paiva, todos vigiados e perseguidos pelo "sistema", ainda conseguiam publicar cartuns e textos que criticavam o regime. Acreditava-se que a sutileza do humor tornava-se impenetrável para os censores, que eram, afinal, muito ignorantes para aceitar tal sórdida tarefa de censura.
A crítica política só encontrava viabilidade na imprensa por meio do humor naquela época. O semanário Pasquim vendia um milhão de exemplares por mês, apesar de ser ocasionalmente apreendido e de seus colaboradores serem presos. Além disso, mais da metade dos livros da lista dos mais vendidos da revista Veja eram livros de humor. | | Millôr Fernandes, Paulo de Almeida Lima e Ivan Pinheiro Machado. Foto: arquivo pessoal |
| Nós, com pouco mais de 20 anos de idade, suportamos muito bem a viagem de quase 30 horas pela BR-116. Não tínhamos a "recomendação" de ninguém, especialmente de alguém que pudesse abrir portas para nos comunicarmos com os grandes intelectuais cariocas. Tínhamos apenas o telefone de Millôr Fernandes, que não sabíamos como conseguimos. Assim, antes de nos acomodarmos em um pequeno hotel em Copacabana, fiquei bem nervoso, é verdade, até um orelhão tentar contato com nossa única "referência". Corajosamente, disquei o número de Millôr. Uma secretária eletrônica atendeu: "O Millôr não está, ao ouvir o sinal, deixe um recado." Eu gaguejei; "Oi Millôr, aqui é o Ivan e eu sou um editor do Rio Grande do Sul..." Ele interrompeu o recado que ficava em viva voz na secretária eletrônica e atendeu a ligação. Muito gentilmente, combinou um encontro conosco em seu estúdio, na Rua Gomes Carneiro 83, cobertura, em frente à Praça General Osório, no coração de Ipanema, o bairro que ele amava. | | Estúdio Millôr Fernandes - Foto de Cristiano Mascaro para Instituto Moreira Sales |
| | Estúdio Millôr Fernandes - Foto de Cristiano Mascaro para Instituto Moreira Sales |
| Chegamos lá, e Millôr nos tratou com a infinita gentileza de sempre. Depois de apresentarmos o nosso projeto, no qual ele concordou em participar, nos convidou para almoçar em sua casa, um apartamento de frente para o mar na esquina da rua Anibal de Mendonça com Vieira Souto. Foi um almoço inesquecível. Nós, guris, estávamos fascinados; encontrávamos-nos na intimidade do grande Millôr Fernandes, que nos oferecia um magnífico almoço capitaneado por Dona Vanda, sua esposa.
Este foi o começo. "A Antologia Brasileira de Humor" foi lançada em meados de 1976, em dois volumes, com a participação de 85 dos maiores cartunistas e escritores de humor do país, contando com uma tiragem de 10 mil exemplares para cada volume. Graças ao Millôr, tivemos acesso aos mais importantes humoristas e cartunistas brasileiros. Com a ajuda dele, Caulos, Ziraldo, Henfil (a "turma" do Pasquim), entramos em contato com os nomes mais relevantes do humor nacional na época e conseguimos reunir os 85 autores para editar a "Antologia Brasileira do Humor", que veio a tornar-se um documento histórico fundamental, retratando, através do humor, a ditadura e suas mazelas nos anos 1970. | | Assim começou uma longa amizade que durou até 27 de março de 2012, quando Millôr faleceu. Durante esses 37 anos de convivência e amizade (Millôr foi, inclusive, meu padrinho de primeiro casamento), além da publicação de cerca de 40 livros (contendo textos originais, traduções, ensaios, peças de teatro, coletâneas de artigos, colunas de jornal, entrevistas, etc.), tanto o Paulo Lima como eu tivemos o privilégio de acompanhar Millôr em seu dia a dia e, através dele, conhecer grandes personagens e amigos, como Rubem Braga, Luis Gravatá, Ziraldo, Jaguar, Fausto Wolf, Fernanda Montenegro, entre muitos outros. | | Em 1976, Ivan Pinheiro Machado, Fraga, Millôr Fernandes, Caulos e Santiago. Editor e craques do traço e das palavras. Foto: Fotos: Arquivo pessoal |
| Destaco nossa amizade com Millôr Fernandes, pois tenho certeza de que foi essa viagem em 1975 que viabilizou a L&PM. Millôr tinha uma teoria que ele chamava de "Teoria ocasional da história". Segundo ele, na História, as coisas acontecem, muitas vezes, "por acaso". Um pequeno detalhe pode mudar toda a trajetória histórica. Hoje, passados quase meio século, penso muito nisso. E se Millôr não tivesse nos recebido? Teríamos desistido da editora? E eu teria sido Arquiteto? Enfim... pensando bem, ele sempre tinha razão. | | Millôr Fernandes vai ao pampa ou explicando uma foto Por Ivan Pinheiro Machado | No início dos anos 80, Millôr Fernandes e seu amigo, o jornalista Yllen Kerr (já falecido e conhecido como o homem que criou a moda de correr na beira da praia no Rio de Janeiro), vieram a Porto Alegre para uma excursão às fronteiras vazias dos pampas. Nosso amigo Paulo Odone Ribeiro, que mais tarde seria deputado e presidente do Grêmio Foot-ball Porto Alegrense, havia convidado a dupla carioca para passar a Semana Santa em sua fazenda, na fronteira com a Argentina, no município de São Borja, um dos lendários Sete Povos das Missões. Foi antes de viajarmos que ele nos concedeu esta entrevista.
O Paulo Lima e eu – já éramos editores do Millôr – e nossas respectivas mulheres (da época) iríamos levar o pessoal em dois carros Alfa Romeo Ti4 2300. Naquele tempo, as Alfas eram fabricadas no Brasil e tinham um tanque de gasolina de 100 litros. É importantíssimo que os jovens saibam que, para economizar gasolina, era proibido por lei vender o precioso combustível em finais de semana e feriados (viram como é bom ditadura?). Como eram 700 quilômetros de Porto Alegre até a Fazenda Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e iríamos na Sexta-feira Santa, tínhamos que ter autonomia de combustível, pois não poderíamos reabastecer no caminho.Naquele tempo, no interior, não havia rede de eletricidade. A luz chegava através de um motor movido a óleo diesel, que era ligado ao anoitecer e desligado logo após o jantar. | | Ivan Pinheiro Machado e Millôr Fernandes. Arquivo pessoal de Ivan Pinheiro Machado |
| Isto quer dizer que não havia televisão, nem o mundo era globalizado. Depois de 12 horas de viagem, chegamos na fazenda em um final de tarde cinematográfico. Um verdadeiro céu "de aerógrafo", como disse Millôr na ocasião. Para abrir a porteira da estância, veio um peão de bombachas, camiseta regata branca, palito nos dentes, sandálias havaianas com esporas atadas ao pé (esporas no "garrão", como se diz na fronteira) e, naturalmente, um reluzente 38 cano longo na cintura. Caminhamos cerca de cem metros até a sede da estância, onde fomos recebidos por Odone e sua mulher, Niúra, que nos levaram imediatamente para o galpão, centro nevrálgico de uma fazenda gaúcha. O galpão é basicamente o local onde fica o pessoal de serviço. Ali está o fogo de lenha de coronilha, que jamais se apaga: ele esquenta a água do chimarrão, cozinha o assado e aquece o pessoal nas madrugadas frias. No Rio Grande, o galpão é cultuado como um lugar de socialização, onde rolam as conversas, os causos, enquanto o chimarrão roda de mão em mão. Sentamo-nos e a peonada, vestida a caráter, quieta, apenas observava aquela conversa animada e se divertia com o sotaque carioca dos visitantes.
Subitamente, um daqueles peões aponta para Millôr e pergunta naquele sotaque fronteiriço, quase puxado para um portunhol:
– O senhor é do Rio de Janeiro?
– Sim, sou – respondeu simpaticamente Millôr.
E o peão tascou, sem rodeios: – Conhece o Moreira?
Houve um silêncio perplexo. – Um gordo! – arrematou, fazendo um gesto com os braços que indicava uma barriga acentuada.
– Mas... – gaguejou Millôr Fernandes, espantado, o Rio é muito grande...
– Mas o Moreira é um tipaço – disse o homem –, onde ele chega todo mundo já conhece pela prosa.
Ele não para de falar! Millôr pensou, pensou e resolveu sair-se diplomaticamente:
– Sabe, não estou me lembrando do Moreira… | Livros pra você conhecer: Em comemoração, homenagem e muitas saudades da alegre passagem de Millôr nesse planeta, a L&PM reedita livros de peças, poesias e traduções do amigo e artista inesquecíveis.
Veja os títulos abaixo:
- Liberdade, liberdade - Kaos - Viúva imortal - Hai-Kais - Poemas - Um elefante no caos - Homem do princípio ao fim - O livro vermelho... - Millôr Definitivo, a Bíblia do Caos - A entrevista - Duas tábuas e uma paixão - Flávia, cabeça, tronco e membros - É...
Traduções:
- Lisístrata - Pigmaleão - Megera domada - Hamlet - Alegres matronas - Rei Lear - Celestina - Jardim das cerejeiras | | | Siga-nos nas redes sociais |
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Bastante lançamentos Gostei dos livros da editora Autêntica
ResponderExcluirMuitos desejados
ResponderExcluirOlá Rudy!
ResponderExcluirMuitas novidades maravilhosas, mas vou ficar só namorando mesmo!
Eu acho que tô fuuu rs Rudy do céu, eu andei indo no site da Dark essa semana, mas tem livro custando mais de 100 conto. Tenho saúde pra isso não rs
ResponderExcluirVou só sonhar e oh, essa novas edições de Anne estão lindinhas hein??
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor
Olá Rudy!
ResponderExcluirMuitos lançamentos maravilhosos, só me falta dinheiro para comprar todos os desejados. Bjs
Oi, Rudy!
ResponderExcluirA Esposa Roubada tá na minha lista de leitura, espero lê-lo em breve :)
Bjos!