Quinta, dezesseis de abril, dezessete horas
Uma criança chorou alto, gritou, esticou a voz e pareceu um pássaro, uma rasga-mortalha, um apito. Fez o papel de aviso. Nas varandas e janelas, começaram a bater em panelas, tocar cornetas, gritar burro incompetente miliciano assassino fora chega. Estranhei, os números no relógio não marcavam oito e meia, ainda estava claro, ainda via passarinhos pousando na rede de proteção. Me senti espalhada pela mesa, uma bagunça de desentendimento, um punhado de medo, o que foi dessa vez. Procurei no Twitter o que poderia ter cutucado as pessoas e seus ecos e vi que o então ministro da saúde tinha sido demitido. Voltei ao meu estado normal, que é o normal de quase sempre: uma espécie de preocupação que se embola no meu cérebro, que insiste em buscar estímulos, mas que não consegue se manifestar fisicamente. Pouco sinto a preocupação se manifestar no meu corpo. É um parasita tão quieto. Meu corpo é comido, os dentinhos sugando, haja sangue e miolo na barriga. Mas não senti grandes sentimentos, nem mesmo sentimentos equivalentes. Os meus sentimentos estavam no volume cinco da televisão. Baixinhos, conformados. Mais uma coisa, eu pensei, mas também é só mais uma coisa. Amanhã tem outra, e no dia seguinte e durante quanto tempo, cara, não consigo nem imaginar quanto tempo, quanto tempo ainda falta. Corpo quieto, um pensamento de todo mundo já esperava por isso, pode ser que eu tenha o impulso que me levaria até a varanda para gritar, só que também tenho o freio. Mas quando alguém berrou a palavra mito, dei uma risadinha quando alguém gritou a palavra gado. Entendi que não é a tristeza, é a raiva. Preciso sentir raiva. São dias de parede amarela, mas meus olhos enxergam tons pastéis. Os prédios que enxergo todos estão em cores baixas, interessante, mas nunca tinha falado assim sobre esse fato. Tudo parece tão quieto, como eu, e tão barulhento, como as ruas.
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