Há um padrão curioso quando se fala sobre livros. Alguns são imediatamente reconhecidos como importantes, dignos de estudo e análise, enquanto outros são descartados como entretenimento raso, supostamente sem valor real. Não é de se surpreender quais histórias costumam ser colocadas nesse segundo grupo: romances voltados para o público feminino e livros direcionados a leitores jovens.
Basta observar as reações. Quando um thriller sombrio aborda temas como abuso, trauma ou relacionamentos tóxicos, ele é visto como um retrato profundo da complexidade humana. Mas quando um romance juvenil ou um livro voltado ao público feminino trata desses mesmos temas – muitas vezes com igual profundidade e impacto emocional –, é reduzido a drama adolescente, fantasia romântica, bobagem para mulheres.
📚 "Como você pode ler isso? Não há figuras!" 🤨 Já vi isso acontecer com vários livros, meus e de outros autores. Na Ponta dos Pés, por exemplo, aborda bullying, abuso e as cicatrizes invisíveis que tantas pessoas carregam, ainda que narrado com sensibilidade e delicadeza. Os 27 Crushes de Molly, de Becky Albertalli, fala sobre insegurança e autoestima na adolescência, enquanto Eleanor & Park, de Rainbow Rowell, trata de violência doméstica e o impacto das diferenças sociais. No universo dos romances adultos, Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, de Taylor Jenkins Reid, critica a hipocrisia da fama e o apagamento da identidade LGBTQIA+, enquanto Teto para dois, de Beth O’Leary, aborda temas como relacionamentos abusivos e saúde mental. Todos esses livros foram, em algum momento, reduzidos à ideia de romances leves, como se emoção e profundidade não pudessem coexistir.
Romances tocam, emocionam e transformam. E isso é mais do que suficiente para torná-los inesquecíveis.
O que incomoda nesses livros não é a falta de profundidade, mas sua acessibilidade. Histórias voltadas para mulheres e jovens leitores falam diretamente com seu público, sem o filtro de uma escrita propositalmente inacessível, sem a necessidade de provar valor por meio da dificuldade. Isso, por si só, já representa um desafio à visão tradicional de literatura séria. Se algo pode emocionar e transformar leitores sem ser árido ou complexo, não pode ser considerado grande literatura, certo?
Errado.
Esse pensamento vem do elitismo literário – a ideia de que só livros com uma linguagem densa, estruturas narrativas complexas e temas abordados de forma quase inacessível merecem reconhecimento. Essa crença não apenas marginaliza gêneros inteiros, mas também afasta leitores da literatura. Muitos crescem ouvindo que o que gostam de ler não conta como leitura de verdade e, aos poucos, se sentem desencorajados a continuar lendo.
📚 "Ah, você lê romances? Que… interessante." 👀 O que hoje é menosprezado pode ser reconhecido amanhã – mas isso não significa que seu valor precise ser validado por uma elite para ser real. A história da literatura está repleta de exemplos de obras que foram subestimadas ou ridicularizadas em sua época apenas por falarem diretamente com o público, por abordarem temas considerados triviais ou simplesmente por serem escritas por mulheres. Jane Austen e as irmãs Brontë publicaram seus primeiros livros sob pseudônimos masculinos porque, no século XIX, os romances femininos não eram levados a sério. O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, foi criticado por sua intensidade emocional, e Orgulho e Preconceito era visto como uma história doméstica sem grande relevância. Hoje, essas obras são estudadas em universidades, analisadas sob múltiplos aspectos e celebradas como clássicos atemporais.
💬☕ "Jane Austen aprovaria: menos preconceito, mais amor pelos livros. Mas quantos livros tiveram seu impacto apagado simplesmente porque nunca receberam tal validação? Quantas histórias escritas por mulheres, voltadas para um público jovem ou que abordavam sentimentos sem pretensão, foram descartadas antes de terem a chance de serem reconhecidas? A verdade é que a elite literária sempre definiu o que merece ser lembrado e o que pode ser ignorado. O problema não está nos livros que cativam milhões de leitores, mas na necessidade constante de provar seu valor àqueles que se recusam a reconhecê-lo.
E, enquanto aguardam por essa aprovação que talvez nunca venha, esses livros cumprem seu papel: transformam vidas, despertam emoções e dão voz a experiências que, de outra forma, poderiam passar despercebidas. No fim das contas, um livro não precisa ser considerado alta literatura para ser importante. Ele só precisa encontrar o leitor certo.
O impacto de uma história vai além das páginas – ele cria identidade, pertencimento e transforma leitores.
O elitismo literário pode até tentar impor suas regras, mas não conseguirá impedir que boas histórias encontrem seus leitores, principalmente com a possibilidade da autopublicação e a existência de editoras interessadas em publicar para esses públicos. Escrever para jovens e mulheres não é menos importante; pelo contrário, é essencial. São esses livros que ajudam a construir identidade, gerar pertencimento e abrir diálogos sobre temas frequentemente ignorados ou minimizados.
Talvez alguns livros nunca sejam estudados em salas de aula ou celebrados por críticos, mas isso não diminui o seu valor para aqueles que foram transformados por eles.
No fim das contas, literatura não é sobre quem a considera digna, mas sobre quem ela alcança. Se uma história toca, emociona e muda alguém, então ela já cumpriu o papel mais essencial da arte. E isso vale mais do que qualquer validação acadêmica ou selo de aprovação de quem acredita que só existe um jeito certo de contar histórias.
Expanda a sua mente, leia um livro
📖Mas e você? Já parou para pensar em como enxerga esses livros? Em algum momento, você deixou de ler algo que queria porque ouviu que não era uma leitura de verdade? Quantos livros incríveis podem ter passado despercebidos por causa de rótulos injustos?
🤔O preconceito literário não se sustenta sozinho, ele se perpetua cada vez que um livro é descartado sem que seu impacto seja levado em conta. Ele cresce quando repetimos, sem questionar, a ideia de que apenas certos tipos de histórias são válidos. E se valorizássemos o que realmente importa? O que nos faz sentir, refletir e enxergar o outro?
💭Da próxima vez que alguém ridicularizar um livro apenas por seu gênero ou público-alvo, vale a pena se perguntar: estamos realmente avaliando histórias pelo que elas são ou apenas repetindo velhos estereótipos?
✨ E você, já sentiu ou percebeu esse tipo de preconceito literário? Me conta! Vou adorar saber sua opinião. Nos vemos na próxima edição, sempre às quintas. Até lá, boas leituras!
💛 Escrever é a minha forma de desafiar estereótipos e valorizar histórias que merecem ser contadas – e essa newsletter é um espaço para essa troca. A cada 15 dias, sempre às quintas, compartilho reflexões sobre literatura, escrita e tudo o que me inspira, na esperança de que também te motive. Até a próxima edição! ✨