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Sinopse: |
Ela teve que perder tudo para aprender a valorizar. Ele teve que conhecê-la para aprender que as aparências enganam.
Anastásia Jones tinha uma vida de luxo e nenhuma preocupação. Linda, rica e carismática, só queria aproveitar cada minuto. Até que passou do ponto e seu pai resolveu lhe ensinar uma lição, deixando-a com a tia em uma cidade do interior, sem acesso a nada do que estava acostumada. Bruno Márquez nasceu e cresceu no interior. Simpático e trabalhador, é o solteiro mais cobiçado da cidade, porém já decidiu seu futuro: uma mulher simples que saiba aproveitar as pequenas coisas da vida e não tenha grandes ambições. Quando Anastásia e Bruno se conhecem, todas as certezas que possuíam desabam e eles terão que enfrentar o destino se quiserem ter uma chance de felicidade. |
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Capítulo 1 |
O automóvel parou em frente a uma cerca de madeira podre com as dobradiças enferrujadas. Anastásia olhou horrorizada pela janela do carro para o terreno cheio de lixo. Ali havia frascos de óleo, madeiras podres, garrafas, latas, ferros já oxidados, uma cadeira de balanço sem assento e muitas outras porcarias. Supôs que este era o lugar onde os vizinhos vinham despejar coisas, mas quando seu pai saiu do carro e abriu o porta-malas para retirar sua mala, não teve dúvida que havia chegado ao seu destino. Tremeu de puro nojo e sentiu o estômago embrulhar. |
Neste lugar não havia uma planta, uma flor, sequer uma mancha de relva para alegrar um pouco a vista. Não havia nada. Só lodo misturado com terra. |
Ao fundo deste depósito de lixo se via uma casa quase destruída, um galpão com teto de lata retorcida a esquerda e um caminhão sem pneus que estava em pior estado que toda a lama que o rodeava. |
Fechou os olhos e lembrou-se do jardim da sua casa, desenhado por um paisagista renomado, com grama cortada e plantas podadas pelo jardineiro que ia uma vez por semana. Bem no centro do jardim erguia-se sua imponente casa branca de dois andares, com telhas vermelhas e janelas em forma de arco feitas de lustrosa madeira. Lembrou-se com tristeza de sua vida perfeita e bela. |
Voltou à realidade com o barulho do porta-malas se fechando. A sua realidade atual. Piscou várias vezes para evitar que caíssem as lágrimas. Seu pai abriu a porta onde ela estava sentada e a olhou franzindo as sobrancelhas. |
— Vamos, Anastásia, que não tenho o dia todo — rosnou Gabriel. |
— Não pode me deixar aqui — gritou Anastásia. |
— Claro que posso. |
— Isso é um lixão — se queixou. |
— Não chame assim a casa da minha prima Carola. Ela teve a gentileza de te receber. |
— Não me importa sua gentileza — disse entre os dentes. |
— Aqui vai aprender a valorizar tudo o que te demos e você não quis reconhecer. Quando aprender o significado da palavra humildade, poderá voltar pra casa. |
O pai a odiava, Anastásia não tinha dúvida. |
Com um braço, ele a puxou para fora do carro e em um segundo ela estava de pé no chão lamacento. Seus sapatos vermelhos, os quais suplicou para que sua mãe os comprasse, estavam afundados na lama. |
Seu pai entregou-lhe a mala e ela a abraçou contra o peito, rezando para não se sujar naquele lugar imundo. Era uma Gucci, droga, uma Gucci, ela pensou em frustração. Seu tio Alfonso havia lhe dado dois anos atrás, na volta de sua viagem de negócios à Itália. |
Suas roupas eram tão caras quanto a mala. Anastásia estava vestindo uma calça de seda preta e uma camisa branca que não combinavam com este lugar sujo e desleixado. A menina destoava daquele lugar, como uma roseira estaria no meio de um pântano. |
Ela ergueu os olhos para encontrar o olhar do pai, mas ele já estava sentado no banco do motorista, com a chave na ignição. Ela o assistiu através da janela aberta. Seus olhos mostraram seu desespero, seus medos, o apelo silencioso para não a deixar ali. |
— Vai, Anastásia! — disse seu pai. |
Ela balançou a cabeça e olhou para ele com os olhos cheios de lágrimas. Ele não podia deixá-la naquele lugar. Ninguém poderia viver em um aterro que cheirava a animais sujos e lixo podre. Ela era sua filha amada, a favorita de seus pais, como seus irmãos mais velhos diziam. |
— Papai, eu juro que… |
— Não jure em vão, Anastásia. Isso é para o seu próprio bem — declarou o pai. |
— Meu bem? — gritou estarrecida e apontou para a sujeira daquele lugar. Ela viu que os olhos dele também estavam brilhando, mas ao invés de sair do carro, abraçá-la e dizer que era apenas um pesadelo, com um aceno de mão indicou que ela acabara de pisar na sujeira. Então arrancou com o carro e se foi sem dizer uma palavra de carinho. |
— Não! — O grito de Anastásia veio de sua alma. Ela jogou a mala na lama. Naquele momento, não se importava mais com o fato de ser uma Gucci. Seu pai a estava largando lá como se fosse um móvel velho. Que droga! Ela saiu correndo atrás do carro na esperança que ele tivesse compaixão e a levasse para casa, mas escorregou em uma poça de água lamacenta e caiu de quatro. — Volta! Volta! — Ela gritou desesperadamente. Um velho caminhão passou por ela e a salpicou, ainda mais, de lama. A menina percebeu que foi de propósito. Em outra circunstância, teria insultado o motorista, mas estava tão desesperada que só conseguia ver o carro do pai indo embora. — Não me deixe! — gritou uma última vez. |
Mas seu pai não parou. Ele não teve compaixão por seu desespero, por seus medos. E Anastásia o odiou com toda sua alma. |
***** |
Fazia três dias que Anastásia estava vivendo na casa de Carola e parecia que o inferno fora transferido para a Terra. |
A mulher havia insistido que a chamasse de tia, mas ela se sentia estranha fazendo isso e a palavra permaneceu presa em sua garganta. |
A casa por dentro não era melhor do que o lixão do lado de fora. Os rebocos estavam lascados, o piso de concreto rachado e havia apenas cortinas descoloridas para separar os quartos. A única porta era a do banheiro, mas não fechava direito. |
Anastásia não tinha dúvidas de que a umidade do quarto onde Carola a instalara a estava deixando doente, porque seu peito doía e sua garganta arranhava. Suas costas também estavam destruídas por causa daquele colchão com as molas para fora. Mas estava tão deprimida que não se importou e ficou deitada na cama o dia todo se perguntando por que seu pai a tinha jogado fora como um objeto descartável? |
Sabia que não tinha sido uma filha exemplar. Havia concluído o ensino médio, é verdade, mas não queria continuar estudando. Tampouco aceitou os empregos que seu pai arranjara para ela, os quais, segundo ele, “havia pedido favores a todos os seus amigos de alto escalão para que sua filha mimada se ajeitasse”. Ela só queria aproveitar a vida. |
Ela tinha que admitir que às vezes voltava para casa depois de muitos drinques e atropelava os móveis ou ria alto como uma louca, mas suas amigas também chegavam no mesmo estado. Isso era normal quando elas iam à balada. Também sabia que sua mãe a havia mimado muito. Seu armário estava cheio de roupas, muitas ainda com a etiqueta, e tantos sapatos que ela não sabia se teria chance de usá-los algum dia. Mas o que tinha de errado com isso? Sua mãe gostava de comprar tudo aquilo que ela pedia. |
Seu pai era quem ficava furioso e gritava dizendo que a filha havia se tornado uma pessoa fútil. Vindo de um homem como ele, dava vontade de rir. Além disso, Anastásia não concordava. Ela só queria se divertir, como faziam seus amigos. |
Mas agora seu pai havia parado de tentar dar lição de moral e a expulsou de casa como se ela não fosse sua filha. |
A culpa de tudo que estava acontecendo com ela era do Oscar, seu último namorado. O maldito que tinha beijado outra bem na sua frente, e ela, por sua vez, fez o escândalo do século. Oscar, muito cínico e com aquele sorriso irônico que tinha, havia dito a ela na frente de todos os seus amigos que não a amava mais. |
Ninguém nunca a humilhou assim. Ninguém nunca a deixou. |
Ela ficou tão envergonhada que correu para onde tinha estacionado o carro de sua mãe e saiu em disparada. O poste de luz entrou no seu caminho e o carro ficou irreconhecível, mas ela, por sorte do destino, não teve nenhum arranhão. Como estava bêbada, a polícia apreendeu seus documentos e a levou sob custódia. Infelizmente, não foi sua mãe que foi buscá-la, mas seu pai… e aqui estava ela sofrendo as consequências. |
Seus irmãos também cometeram erros, bebiam até cair quando tinham a sua idade. Noel chegou a bater o carro do pai. O castigo dele foi ficar um ano sem pegar no carro, mas a ela, expulsaram de casa. Anastásia sabia que merecia uma punição, mas a escolhida foi exagera e injusta. |
Carola entrou no deprimente quarto com a bandeja de café da manhã. Um chá com leite, que lhe dava ânsia de vomito, e duas torradas com geleia caseira, feita por ela, como havia mencionado no dia de sua chegada. Anastásia sentia falta do café batido, do suco de laranja espremido na hora e dos doces comprados na padaria que Adela, sua governanta, servia todas as manhãs. Ela tinha tudo e não ia conseguir se ajustar a essa vida de restrições. Além disso, depois de ver a falta de higiene do local, não teve dúvidas de que pegaria todas as pragas do mundo. |
— Trouxe café da manhã para você, Amanda — disse Carola com um sorriso, sem imaginar o que se passava na cabeça da sobrinha. |
— Anastásia. Meu nome é Anastásia — desde que chegou, Carola tinha insistido em mudar seu nome e isso a indignava. |
— Que nome horrível seus pais escolheram para você! — Carola exclamou e colocou a bandeja em uma mesa de pinho encardida. |
— Eu gosto. É o meu nome. Não sou Amanda — esclareceu Anastásia, perdendo a paciência. Uma tosse seca a impediu de continuar. |
Ela ainda estava com as roupas que havia chegado, com a lama seca na calça preta de quando caiu na poça e a camisa branca manchada por causa daquele motorista idiota que passou e quase a esmagou. Ele bem que poderia tê-la esmagado assim não teria que suportar o que estava passando. Anastásia estava tão deprimida que não tomava banho há três dias, nem mesmo escovava os dentes ou penteava os cabelos. Era sua maneira de se rebelar a tal injustiça, mas ninguém parecia se importar e a única que estava sofrendo as consequências era ela mesma. |
— Essa umidade está deixando você doente. Já é hora de você parar de chorar e vir me ajudar, tem muito o que fazer por aqui — disse Carola. |
Após ter visto a deterioração do pátio e da casa, Anastásia não conseguia imaginar a mulher trabalhando em algo. |
— Duvido que você goste de trabalhar — Anastásia murmurou e limpou a garganta para evitar outro acesso de tosse. |
Carola a olhou por um longo tempo, depois desapareceu do quarto. Anastásia supôs que a tia estava preocupada com sua saúde e tinha saído para ligar para sua mãe vir buscá-la. Também supôs que os três dias deitada na cama, quase sem comer e suportando o cheiro de confinamento e umidade estavam valendo a pena. Por fim ela deixaria aquele chiqueiro e voltaria para sua vida linda e relaxada. Sua mãe não a deixaria lá se soubesse que estava doente. Andrea viria correndo procurá-la, abraçá-la, e diria que bastava mudar um pouco para tudo voltar ao normal, disse a si mesma. Sentia um entusiasmo exagerado com suas deduções. Ela já havia aprendido sua lição. Iria para casa e começaria a estudar para ter um diploma universitário, qualquer outra coisa que seu pai quisesse, se isso a tirasse daquela sujeira. |
Deu um pulo da cama com o ânimo renovado. Nem tocou no café da manhã cheio de bactérias, porque ao chegar em casa comeria todas as iguarias que Adela lhe serviria, pois sempre a mimava. |
Procurou sua mala Gucci em todos os cantos da sala, até abriu o precário armário na parede da esquerda, mas não conseguiu encontrá-la. Não havia nada ali. Suas preciosas roupas sumiram e ela não tinha dúvidas de que a prima de seu pai as escondera dela. Bruxa sem coração, pensou furiosamente. |
Anastásia ouviu os passos de Carola e se virou para exigir que devolvesse a mala com todos os seus preciosos pertences. Mas Carola puxou a cortina que cobria a entrada do quarto, entregou a ela uns jeans manchados de alvejante, uma camiseta florida cheia de buracos de traça e uma calcinha tão grande que Anastásia a olhou com a boca aberta. Toda a esperança de que Carola tinha ficado preocupada, ligado para a sua mãe e de que Andrea estaria a caminho para levá-la para casa, fora despedaçada. |
— Aqui, roupas adequadas para o lugar. No banheiro, deixei um pote d'água para você se limpar. Aqui a água quente não sai dos canos, então você terá que aprender a tomar banho e lavar o cabelo jogando água de uma jarra. |
Que? Como? Aquela mulher estava absolutamente louca se pensava que ela ia tomar banho jogando água com uma jarra! Ela tinha uma banheira de hidromassagem em casa e costumava ficar meia hora relaxando com os jatos de água e sais de banho. |
— Não vou tomar banho com uma jarra. E não vou usar essas roupas horríveis, — Anastásia gritou, deixando de lado a depressão em que lhe havia dominado. Agora ela estava cheia de vitalidade, o que lhe dava desespero, mas a tosse voltou e ela não conseguia continuar a resmungar. O que essa mulher estava pensando? Derramando água com uma jarra! Em que século ela vive? E como deveria lavar o cabelo e tomar banho com um miserável pote de água? |
— Claro que vai fazer isso, Amanda, senão terei que limpar você. Está com um cheiro horrível e o quarto cheira a chiqueiro — disse Carola, e saiu do quarto. — Se você não descer em uma hora, vou entrar e empurrá-la para fora. |
— Mentira, bruxa velha. Não estou cheirando mal. Eu também não quero estar aqui. Ouviu? — Anastásia gritou, mas Carola a ignorou. |
Ninguém a ignorava. Ninguém dizia a ela o que fazer. E ninguém iria forçá-la a vestir aquelas roupas enormes e rasgadas que haviam sido deixadas na cama. |
Ela agarrou as roupas, jogou-as no chão e as pisoteou furiosamente. Maldita mulher! Maldita bruxa! Maldita víbora venenosa! Ela gritou sozinha enquanto continuava chutando as roupas pelo quarto até não ter mais forças. |
Quando o ataque histérico passou, ela pegou os trapos sujos e caminhou até o banheiro horrível no corredor. Ela não ia permitir que aquela louca a pegasse pelo braço e fingisse que estava dando banho. Ela queria bater à porta, mas a porta estava emperrada e mal chegou perto do batente, ficando entreaberta. |
Não havia chuveiro no banheiro, havia apenas uma pia pequena e velha, que estava entupida. A panela de água fervente estava no chão e ao lado dela havia uma jarra de barro para despejar água. Ela não podia tomar banho naquela imundície que devia estar cheia de bactérias. Mas que escolha tinha? Nenhuma, disse a si mesma. |
Vasculhou o banheiro até encontrar um pano em uma prateleira, o pegou com nojo e começou a esfregar na pia manchada. Infelizmente não tirou nem um pouco da sujeira, só fez seus pulsos doerem. |
Carola deixara para ela um sabonete branco sem cheiro do tipo que costumava ser usado para lavar roupas e Anastásia se sentiu a mulher mais infeliz do mundo ao perceber que não tinha um frasco de xampu para lavar seu cabelo. Ela teve o céu em suas mãos e agora estava caindo em um poço sem fundo. |
Anastásia chorou enquanto tirava suas roupas chiques cheias de lama seca. De pé nua naquele lugar horrível, chorou até que suas lágrimas secassem. Ela odiava todos eles. Não queria mais vê-los. Sua família a descartou como se ela os incomodasse. Iria esquecer que eles existiam. Nenhuma punição poderia ser tão cruel quanto a que ela recebeu. Seus irmãos cometeram erros piores e nunca foram expulsos de casa. |
A indignação era tamanha que esfregou o corpo e os cabelos até quase tirar sangue. Queria quebrar tudo ao seu redor, começando com aquela pia nojenta onde ela tinha que pegar água para se banhar. |
Nunca se sentira tão limpa como naquele momento, apesar do banheiro rudimentar. Talvez fosse o choro ou a fúria com que esfregou os cabelos e a pele. |
Anastásia não teve escolha senão vestir-se com as roupas de mendigo que Carola lhe dera. Ela se sentiu tão ridícula com aquela calcinha que ia acima da cintura que as lágrimas lhe escaparam novamente. O sutiã que Carola havia deixado para ela era tão grande que ela não conseguiria enchê-lo nem com um pacote de algodão. O jogou no chão, não usaria mesmo se a matassem. |
As roupas combinavam com o lugar, disse a si mesma quando olhou no espelho quebrado acima da pia. Tudo era tão grande que a gola da camisa escorregou do ombro e o jeans caiu até os quadris. Mas nada disso importava já que seus amigos não estavam ali para tirar sarro dela. |
Quantos degraus ela desceu na sociedade em três dias! Pensou desesperadamente. |
Em frente ao espelho, viu a imagem de uma jovem rica desaparecer. |
Já não era a mesma. A vida aqui, sua vida, seria muito diferente, pensou e engoliu com dificuldade o nó na garganta. |
Depois de quinze minutos olhando para espelho, saiu com a cabeça baixa. Não tinha para onde ir. Não tinha estudo, não tinha emprego, nada tinha feito para construir um futuro para si porque tinha apenas vinte anos e agora dependia das migalhas que aquela pobre mulher lhe dava. |
Carola estava curvada sobre a bancada de pedra gasta, fazendo montanhas de bandejas de comida. Anastásia ficou chocada quando entrou na cozinha e viu aquilo. |
Ela se virou ao ouvir seus passos e sorriu. |
— Que bom que você desceu, Amanda — disse ela. |
— Anastásia — repetiu, mas desta vez não gritou, como se já não tivesse mais forças para lutar para preservar sua identidade. Talvez fosse melhor, a Anastásia havia ficado no passado, agora ela tinha que se ajustar a ser outra pessoa. — Bom, o que importa um nome, se aqui não serei mais a mesma pessoa — esclareceu. |
Carola se virou e olhou para ela com espanto. |
— O que você disse é muito sábio, Amanda. A vida é diferente aqui — disse ela, virando-se e continuando a encher bandejas de comida. Havia tantas bandejas que Anastásia supôs que ela ganhava a vida cozinhando para o povo da pequena cidade. Uma suposição, pois não conhecia a cidade. Quando seu pai a deixou lá, ele teve o cuidado de evitar o centro. |
— Você cozinha para fora? — perguntou. |
— Não, só arrumo as marmitas — comentou. — Aqui não tenho conforto para cozinhar. |
— E quem cozinha? |
— Olga e seus assistentes. Ela tem um negócio de comida caseira no centro. Costumo trabalhar lá, mas não queria te deixar sozinha — esclareceu Carola. |
Ela a chamava de bruxa velha, harpia e víbora venenosa, também desprezava sua casa e seus cuidados, até recusava suas refeições por medo de pegar uma praga. Enquanto Carola havia mudado todo o esquema de trabalho para não deixá-la sozinha. |
Anastásia se sentiu mal e tão esnobe quanto seu pai lhe dizia que era, mas em vez de se desculpar, queria saber mais sobre aquela mulher que a recebeu em sua casa como uma sobrinha amada, apesar de sua atitude terrível. |
— Você ganha a vida montando marmitas? — perguntou. |
— Entre outras coisas — disse Carola, sem tirar os olhos do trabalho. — Se quiser me ajudar, pode embrulhar as marmitas e depois arrumá-las nas caixas de madeira que estão sobre a mesa. — Carola olhou e viu como a jovem estava carrancuda. Supôs que esta moça nunca embrulhou nada, sequer um presente para uma amiga. — É fácil. Apoie a bandeja sobre essa base, embrulhe com o plástico, corte com calor e ao dobrar ele fica grudadinho. |
Anastásia não queria embrulhar comida. Ela queria conseguir um emprego para não ter que depender de ninguém. Queria sair dali, queria pensar sobre como sua vida seria de agora em diante. Infelizmente, naquele momento, dependia da caridade de Carola, então abaixou a cabeça e começou a colaborar com a mulher. |
As duas passaram meia hora trabalhando lado a lado. Carola separava as porções e Anastásia embrulhava e colocava nas caixas. Quando ela percebeu que havia enchido três caixas grandes, sorriu com prazer. |
— Fizemos muito — disse Anastásia surpresa. |
— Com duas fazendo é mais fácil. Vou lhe dar uma porcentagem do que eles me pagarem — esclareceu a tia. |
Carola a recebera com um sorriso em sua pobre casa, dera toda a sua atenção e, além disso, ia lhe pagar parte de seu dinheiro por embrulhar algumas marmitas. |
— Não precisa. É o seu dinheiro — esclareceu Anastásia. |
— Eu sempre pago se alguém me ajuda. |
— Já estou te causando despesas, não quero seu dinheiro. |
— Você vai me ajudar a manter a casa em troca de comida — esclareceu Carola. — Está vendo como esta casa está um desastre. |
Desastroso era ficar ali. Nenhum ser humano poderia viver naquela sujeira. Anastásia estava acostumada a uma vida de luxo, mas Adela não estava ali limpando a bagunça, polindo o chão e preparando seus pratos favoritos. Essa vida não era mais sua, ela pensou e sentiu aquela sensação de vazio que lhe deu um nó na garganta. |
Uma picape moderna passou pelo portão de madeira podre. Anastásia estava de pé perto da janela, embrulhando a comida. Observou surpresa quando uma mulher mais velha que ela, e terrivelmente elegante, desceu. Estava usando sapatos de salto alto rosa, uma camisa justa e jeans skinny com um bordado na coxa. A mulher era alta, com o corpo bem definido e tinha belas curvas. Seu cabelo loiro ondulado caía perfeitamente abaixo de seus ombros e dançava como seda macia enquanto ela caminhava movendo seus quadris. Tinha um rosto bonito, só que Anastásia não conseguia distinguir muito bem, porque ela estava usando enormes óculos escuros, mas o nariz parecia reto e os lábios carnudos e vermelhos. Deviam ser uma tentação para os homens da cidade. |
— Carola, o pedido está pronto? — perguntou a mulher, com voz característica de diva da TV. Caminhou sem se intimidar com a sujeira do quintal e sem tropeçar nas coisas espalhadas por todos os lados. Parecia confortável naquele lixão, muito diferente dela mesma quando chegou, quase caindo morta com o choque. A diva se esquivou das bugigangas como se já tivesse feito isso várias vezes. |
— Sim, Jéssica. Quase tudo está pronto. Vem, deixa eu te apresentar a minha sobrinha, Amanda — disse Carola. |
Ela queria ser Anastásia novamente. A jovem que se vestia com elegância e sorria com simpatia, a mulher que suas amigas queriam imitar, aquela que ia à balada e enlouquecia os homens. Mas agora seu cabelo estava cor de palha por causa do sabonete branco, os jeans manchados de alvejante que caiam em seus quadris e revelavam sua calcinha do tamanho de uma barraca e a camiseta que escorregava de seu ombro. |
Jéssica era peituda, tanto que teria enchido o sutiã que foi pisoteado no banheiro. Anastásia nem tinha seu sutiã para realçar seu busto acanhado. Tudo de bom que a tornava uma mulher atraente como Jéssica estava em sua mala desaparecida da Gucci. |
Droga, ela tinha sido a rainha do baile do colégio e agora só queria se esconder debaixo da mesa para que aquela mulher elegante não a desprezasse. |
Anastásia se sentia menor que uma formiga e não tirou os olhos das marmitas nem por um segundo. |
— Amanda! — se surpreendeu a jovem elegante. Ela tirou os óculos e Anastásia pôde ver olhos azuis tão brilhantes que teriam deslumbrado até o sol do meio-dia. Era uma mulher bonita, o que fazia Anastásia se sentir cada vez menor. — Belo nome — disse Jéssica. Não é meu nome, Anastásia queria dizer a ela, mas a mulher já havia desviado o olhar, como se ela não merecesse mais do que um segundo de sua atenção. Se fosse a Anastásia de antigamente, poderia tê-la superado com sua arrogância, seu porte altivo e seu sorriso matador, mas suas armas de diva haviam desaparecido e naquele momento ela estava paralisada e sem uma gota de autoestima. Então continuou inclinada, embrulhando as últimas bandejas que Carola havia deixado para ela. — Ter que vir buscar comida está complicando tudo, Carola. |
— Eu sei. Sinto muito, Jéssica, mas minha sobrinha chegou há três dias e estou esperando que se ajuste ao lugar. |
— Que se adapte a isso? — Jéssica disse, rindo ao apontar para o chiqueiro. — Duvido que consiga. Apesar de ter jeito de mendiga, talvez isso seja demais até para ela — a diva gesticulou com a mão sem olhar em sua direção como se Anastásia não merecesse sua atenção. |
Anastásia não podia permitir que a desprezasse assim. Quem aquela loira estúpida pensava que era? Olhou para cima com raiva, mas nenhuma resposta saiu de sua boca. Meu Deus, quão importante eram as roupas finas para sua autoestima? Muito. Assim que chegou à casa deprimente de Carola, a Anastásia de antigamente virou fumaça. |
— Apesar da aparência pobre, ela tem arrogância — falou Jéssica ao ver que a jovem parecia estar tentando impor uma atitude altiva a qual estava longe de conseguir. |
Anastásia fechou as mãos e sem perceber quebrou a bandeja que estava empacotando. |
— Ela estragou uma marmita, Carola! Vou ter que descontar do pagamento — disse Jéssica, provocando mais raiva na jovem. |
— Basta, Jéssica. Deixe minha sobrinha em paz. Ela ainda está tentando se adaptar — disse Carola. |
Jéssica ergueu as sobrancelhas e encolheu os ombros como se não desse a mínima para a adaptação da sobrinha de Carola. |
Anastásia não entendia o motivo da animosidade, já que não a conhecia e comparando as duas não havia dúvida de que ela não era páreo para Jéssica. Ela a ignorou e colocou o resto da comida na caixa. |
— Pronto, Jéssica, acho que podemos colocá-las no caminhão agora — disse Carola, tentando quebrar a tensão do ambiente. |
— Deixe sua sobrinha carregá-las, para que ela pague com trabalho pela comida que esmagou nas mãos — disse Jéssica, apontando para Anastásia. |
Anastásia abriu a boca para mandá-la a merda, mas quando viu que Carola franziu a testa sem repreender Jéssica por sua atitude desdenhosa, calou-se. |
— Por favor, querida, você poderia trazer as caixas? — Carola pediu humildemente. |
O que ela poderia fazer? Gritar como fazia quando morava na casa de seus pais? Fazer pirraça como a mimada que ela era antes de chegar ao chiqueiro? Esse era o ganha-pão de Carola e ela não podia colocar em risco o emprego daquela tia que acabara de conhecer e que a tratava com carinho. |
Anastásia abaixou a cabeça e fez três viagens até a picape para deixar as caixas na cabine. Eram tão pesadas que ao terminar sentia como se a cintura fosse partir em duas, mas não reclamou. Sua nova vida seria cheia de situações como essa, pensou com tristeza. |
— Quando você vai ao centro, Carola? — perguntou a diva. |
— Em dois dias, minha querida. Vou com minha sobrinha Amanda — disse Carola. — Diga a seu pai que eu consegui fazer tudo que ele me pediu. |
— Fantástico. Até mais, Carola. Se cuida — disse e saiu sem cumprimentar Anastásia, que ainda estava tentando se recuperar da dor nas costas e o choque que aquela mulher causou nela. |
— Não dê ouvidos a ela, Amanda. Jéssica é um pouco soberba. Seus pais têm o melhor restaurante e ela se sente importante nesta cidade — esclareceu Carola e entrou na pocilga. |
Teria Anastásia sido arrogante desse jeito? Uma pessoa poderia mudar tanto colocando roupas caras? Questionou-se a jovem. Vestida para matar, ela também se sentia importante. Sempre gostou de ser adulada. Sempre com a cabeça erguida, as costas retas e os saltos que lhe davam mais segurança. Meu Deus! Seu pai poderia estar certo em dizer que ela era esnobe, embora ele fosse pior do que ela nesse aspecto. |
Estava lá há apenas três dias e não se sentia mais a mesma pessoa. Seu orgulho havia ficado de fora e ela estava descobrindo que teria que olhar para tudo com outros olhos. |
— Achei alguns suspensórios para você no meu velho baú. Não são muito bonitos, mas pelo menos a calça não vai cair, Amanda — disse Carola. |
— Anastásia. — Disse sem forças. Horrorizada, ela estendeu a mão para receber os suspensórios. |
Meu Deus! Isso era o que faltava para transbordar. O pouco de orgulho que restava, ia-se. Eram feitos de elástico e de cores tão chamativas que seria impossível passar despercebido. Lá vai a sobrinha da Carola, diriam todos ao vê-la com aqueles suspensórios de palhaço. Se antes as pessoas se viravam para olhar para ela por sua presença impressionante, agora iriam rir de quão ridículo era o que vestia. Pelo menos sua calça não escorregaria até os tornozelos, revelando a enorme calcinha de vovó que estava usando. |
— Onde você colocou minha mala? — perguntou. |
— Sua mala! Que mala? — respondeu Carola e sem esperar resposta, entrou em casa. — Em alguns dias vamos para o centro, Amanda. |
— Não vou sair com essas roupas. Preciso da minha mala — Anastásia gritou. — E eu não sou Amanda! — respondeu furiosamente, recuperando seu espírito perdido. |
— Essas roupas combinam melhor com este lugar — disse Carola enquanto ia para cozinha cantarolando. |
— Isso é uma mentira. A mulher que veio buscar a comida se vestia bem. Eu quero minha mala Gucci — ela gritou caprichosamente como costumava fazer. |
Carola enfiou a cabeça para fora das cortinas bagunçadas da janela da cozinha e olhou para ela. |
— Você quer se parecer com a Jéssica, Amanda? Você acha que ela é um exemplo a seguir? — perguntou Carola. |
Vendo Anastásia abaixar a cabeça, a tia se sentiu triunfar. Seu primo a desafiou a fazer sua filha ser mais humilde e ela estava determinada a conseguir. |
— Não precisa responder, Amanda, eu sei que não quer. E você não sabe como estou feliz por saber disso, querida. Porque a Jéssica é um embrulho bonito, mas sem nada dentro daquela cabecinha. |
Exatamente como ela era, Anastásia disse a si mesma. Ficou surpresa por se ver refletida em um espelho que ela não gostou. Um sorriso tímido curvou seus lábios ao descobrir que havia subestimado Carola. A mulher não era uma bruta que vivia como mendiga, era muito mais inteligente do que havia imaginado. |
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