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Sinopse: |
Um libertino, uma debutante e uma conspiração contra a coroa. Esta temporada será escandalosa!
A serviço do mestre espião da Inglaterra (ou melhor, de sua sobrinha, mas ele certamente aprecia a ajuda), a Srta. Mary Wilson tem a missão de desmascarar uma conspiração contra a coroa. O problema é que sua única pista indica que alguém associado à devassa sociedade secreta do Marquês de Hartford está envolvido. Com a habilidade de passar despercebida, Mary consegue acesso a todas as fofocas da sociedade, mas o Marquês, logo agora, resolve prestar atenção nela. Para piorar, sua tia está determinada a casá-la nesta temporada.
Focado em encontrar a noiva perfeita, o Marquês de Hartford, conhecido entre seus amigos como Rex e na sociedade como um grande libertino, se vê distraído pela discreta Srta. Wilson, que aparece continuamente em lugares onde não deveria. Enquanto Rex tenta entender o comportamento ousado da Srta. Wilson, um pensamento curioso lhe ocorre: seria ela a mulher perfeita para compartilhar a vida, inclusive as atividades da Sociedade do Pecado?
Temporada de Pecado é o primeiro livro da série Disfarces e Disciplina, uma série de romance de época sensual com toques de BDSM. |
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Prólogo |
Mary - um ano antes |
Era de bom tom que debutantes evitassem libertinos a todo custo. |
Não era uma regra rígida, mas a debutante que ignorasse tais diretrizes sociais o faria por sua conta e risco. |
Mary não era aventureira. Nunca fora. Deixava as aventuras para os pais, que eram viajantes inveterados e mais felizes quando exploravam territórios desconhecidos e enfrentavam perigos incertos. Claro, ela não testemunhava o estilo de vida dos pais, mas tinha um vislumbre através das inúmeras cartas que os dois lhe enviaram ao longo dos anos e pelas conversas durante as visitas ocasionais. |
Havia três pessoas no mundo em quem ela confiava plenamente. Recentemente, recebera uma carta de uma delas, Eveline Stuart, pedindo que Mary descobrisse tudo o que pudesse sobre o Marquês de Hartford. Mary não questionou o pedido, nem ao menos esperou uma resposta à sua carta a amiga. Imediatamente começou a investigar o Marquês. |
Boatos estavam disponíveis aos montes na sociedade, já informações valiosas eram quase impossíveis de serem encontradas. Pelo menos até o baile Somerset. |
Caminhando apoiada no braço do primo Thomas Hood, Mary ficou surpresa – e um pouco chocada – ao ver uma de suas conhecidas conversando com o Marquês de Hartford. Lady Arabella Windham era uma das pouquíssimas conhecidas de Mary em Londres que ela considerava uma amiga. Ela também era debutante e irmã de um duque, então que disparates estava fazendo ao lado de um homem cuja mera presença poderia manchar sua reputação? Ser irmã de um duque dava a ela mais liberdade do que outras debutantes, mas ainda havia limites. |
Mesmo que Mary não estivesse curiosa sobre aquele par, ela teria tentado direcionar o primo até aquele local. Principalmente depois de ter percebido que ele estava de olho em um pequeno grupo de senhoritas que definitivamente não eram amigáveis. Ela sabia que Thomas estava considerando Lady Winifred Bellmont como possível esposa. Era seu dever, como prima, salvá-lo de si mesmo. Na realidade, ela estava matando dois coelhos com uma cajadada só. |
— Olhe, lá está Lady Arabella — disse, puxando gentilmente o braço de Thomas para chamar sua atenção. Ele virou a cabeça, a expressão de reprovação tomando seu rosto. |
Mary fez tudo o que podia para impedir que os olhos revirassem. Na sua opinião de prima, Thomas não sabia escolher mulheres. Lady Arabella era gentil, simpática e divertida – basicamente o oposto de Lady Winifred. |
Mas o verdadeiro alvo não era Arabella. O verdadeiro alvo era o homem ao lado dela. Alto, ombros largos e tão bonito, quase lindo demais para palavras; o cabelo castanho-claro puxando para o dourado e os olhos âmbar do Marquês a fizeram pensar em um leão. O que tornava o apelido que ela ouviu um homem usar ainda mais apropriado: Rex. |
O Rei. |
Não era o rei de verdade, é claro, mas o apelido combinava com ele. Não importa que estivesse na posição décimo oitavo na linha de sucessão ao trono, ou algo assim. Ele agia como se sempre fosse a autoridade máxima do lugar. Mary se perguntou como seria ter aquele tipo de confiança arrogante. O que era ainda mais irritante é que isso não diminuía nem um pouco seu charme. |
Thomas não se mexeu um centímetro, mas isso não importava. O marquês e Lady Arabella estavam se aproximando enquanto Thomas parecia perdido em seus pensamentos, mais interessado nas reações da alta sociedade ao casal do que na aproximação deles. Mary se perguntou se Thomas algum dia perceberia que sua desaprovação cortante de Lady Arabella estava diretamente ligada a sua atração por ela. Provavelmente não. Teimoso como um jumento. |
Bem, ela faria o que pudesse por ele, mas, enquanto isso… |
— Olá, Lady Arabella — cumprimentou Mary assim que o casal se aproximou o suficiente. |
Os olhos castanhos e calorosos de Lady Arabella se arregalaram, e ela hesitou por um segundo, mas rapidamente se recompôs. |
— Boa noite, Mary — respondeu ela, sorrindo sinceramente. Era tão raro ver sorrisos sinceros entre a alta sociedade, que ver um era sempre revigorante. Mary sorriu de volta. — Acabaram de chegar? |
Ora essa. |
Em vez de apresentar Mary, Lady Arabella estava ignorando os dois cavalheiros como se eles nem estivessem ali. O que provavelmente era benéfico para a reputação de Mary com a alta sociedade, mas não muito útil quando se tratava do pedido de Evie. Se ela não conseguisse uma apresentação para com Hartford, não seria capaz de falar com ele sem arruinar completamente a própria reputação. |
As regras da sociedade eram, às vezes, terrivelmente frustrantes. |
— Há pouco tempo — Mary respondeu com fluidez, disfarçando a decepção. — Vir foi um esforço e tanto. |
O padrão familiar de conversas sociais era fácil de assimilar, permitindo que Mary examinasse Hartford de perto, em vez de observá-lo à distância. De perto, ele era ainda mais perturbador para os seus sentidos, como se ele fosse um ímã, e ela, uma bússola. Mary não conseguia evitar lançar olhares furtivos na direção dele. |
Era belo como um anjo caído, glorioso e perigoso ao mesmo tempo. Os boatos diziam que ele era o líder de uma sociedade de depravação, supostamente ainda mais secreta e perversa que o Clube Chamas Infernais. Era tão secreta, que, por mais que prestasse atenção, Mary nunca descobrira o nome ou qualquer outro membro além de Hartford, que aparentemente pouco se importava que as pessoas soubessem do mar de libertinagem em que ele nadava. Diziam que ele tinha uma dúzia de amantes espalhadas por Londres, incluindo uma duquesa, e que havia participado de mais duelos do que qualquer outro homem da sociedade sem nunca ter perdido. |
Quando a cabeça dele se virou e seus olhos se encontraram, olhos quase dourados pareceram perfurá-la, como se pudessem ver por baixo da superfície, indo direto na sua alma… como se a enxergasse de verdade. Ninguém enxergava Mary. Somente se ela se fizesse presente. Ela era praticamente invisível, capaz de passar despercebida por multidões inteiras, se mesclando ao plano de fundo como se fosse uma planta decorativa. Quando Hartford a olhou, porém, ela se sentiu subitamente exposta e muito vulnerável. |
Ele desviou o olhar, encerrando o momento, mas a deixando tão mexida, que ela ficou grata pela interrupção de Thomas. Já não fazia ideia do que Lady Arabella estava dizendo. |
— Onde estão seus irmãos? — O tom ofendido de Thomas anunciava sua convicção de que eles deviam ter perdido a irmã de vista para que ela estivesse em tal companhia. |
Apesar da gratidão por não ter de responder a qualquer coisa que Arabella estivesse dizendo, Mary precisou sufocar o impulso de pisar no pé do primo ou mesmo de confortá-lo. O homem realmente não sabia lidar com as próprias emoções quando se tratava de Lady Arabella e era completamente alheio à razão, motivo pelo qual a dama o abalava tão facilmente. |
Que palerma. |
— Acredito que estejam perto do ponche — respondeu Lady Arabella secamente. |
Antes que Thomas pudesse responder, os violinos começaram a tocar, e Lady Arabella se iluminou, virando a cabeça e sorrindo para Hartford. Aquele homem alto e bonito sorriu de volta para ela, e Mary foi atingida por uma súbita e inesperada onda de ciúmes. |
— Minha dança, imagino — Hartford disse presunçosamente. |
— Imaginou corretamente. — O olhar que Arabella lhe lançou estava cheio de flertes. Então virou-se para Mary: — Foi um prazer vê-la novamente, Mary. Espero que possamos conversar mais esta noite. |
Thomas e Mary observaram o casal se dirigir à pista de dança. Mary suspirou silenciosamente. Eles formavam um lindo casal. Se seu primo não parasse de olhar apenas para o próprio umbigo, era provável que acabasse se casando com uma mulher que não combinava nem um pouco com ele. |
Ela olhou para Thomas, que ainda estava olhando para o casal que se afastava. |
Hora de voltar ao trabalho. |
— Thomas? O que há de errado? — Ela mostrou preocupação em sua voz e olhar, trazendo a atenção dele antes que alguém percebesse como estava encarando o Marquês e Lady Arabella. Thomas era um protetor acima de tudo, o que o tornava bastante fácil de manipular. Ele não gostaria de sobrecarregar Mary com os próprios problemas, portanto os deixaria de lado e retornaria às obrigações atuais. |
— Nada — ele disse bruscamente. — Vamos, quero falar com Isaac, depois podemos procurar um pretendente para dançar com você. |
Alguém que Thomas aprovasse. Mary fez uma careta. O gosto de Thomas para homens não era melhor do que o gosto para mulheres. |
Embora, considerando a reação de Mary ao Marquês de Hartford e sua completa falta de interesse em qualquer outro cavalheiro que conhecera até agora, talvez ela devesse se preocupar se aquilo não seria um traço de família. |
Capítulo 1 |
— Seu cabelo está loiro — disse Josie, piscando com surpresa ao atravessar a porta do quarto de Mary. Ela parou de repente, quase fazendo com que Lily, amiga delas, que vinha atrás, trombasse nela. Como de costume, Josie vestia suas calças de montaria, já que havia acabado de chegar da cavalgada e se recusava a montar de lado. O cabelo estava se soltando do penteado. Em contraste, o vestido de passeio recatado de Lily a cobria do pescoço aos pés, e seu cabelo estava preso no habitual coque apertado. |
Ela não as via desde que partira para a temporada da alta sociedade em Londres, mas bastou dois segundos juntas, e já sentiam como se nunca tivessem se separado. As três eram vizinhas e cresceram juntas, Evie entrou no grupo posteriormente, e agora que estavam ali, ela realmente se sentia em casa. Se ao menos Evie também estivesse com elas, seria perfeito. |
— Ora, saia da frente — disse Lily com irritação, empurrando Josie. Com os braços cheios de papéis, ela caminhou rapidamente até a escrivaninha de Mary e os largou antes de se virar para Mary. — Você está mesmo mais loira. Ou será que você estava muito ruiva quando nos vimos pela última vez? |
— Ela definitivamente está mais loira, ainda que não com o mesmo tom que o meu. — Josie ficou na ponta dos pés, apertando os olhos e estudando o cabelo de Mary. — Acho que a Sra. Biggins finalmente conseguiu, hein? |
Mary suspirou. A acompanhante com quem seus pais a haviam deixado durante os últimos anos tinha opiniões muito particulares sobre o que tornaria uma jovem atraente para um nobre. Quando Mary foi apresentada na temporada anterior, a Sra. Biggins entrou em um frenesi querendo consertar o tom de seu cabelo loiro-avermelhado e o nariz cheio de sardas. No ano passado, apenas conseguiu deixar o cabelo ainda mais ruivo do que o tom natural. Este ano, a Sra. Biggins estava muito satisfeita com seus esforços, que tinham tornado o cabelo de Mary mais loiro do que ruivo. |
— Claro. — Mary certamente não se importava se seu cabelo era ou não de uma cor da moda. Não era como se ela esperasse que alguém a notasse de qualquer maneira. Sua madrinha na temporada, tia Elizabeth, não se importava com aquele detalhe para nada além de orientar a modista a fornecer tons que combinassem com sua compleição. |
Mary vinha se hospedando com a tia Elizabeth e o tio Henry até uma semana antes. Ela retornou à mansão de seus pais quando o quarto membro de sua confraria, Evie, a solicitou. Sua última carta havia sido frustrantemente breve, mas ela a chamara, e Mary atendera. Josie e Lily não tinham saído da região, nenhuma delas debutou em Londres, então já estavam por perto. Apenas Mary precisara retornar. |
— Não é uma cor ruim — disse Josie lentamente, andando em volta de Mary para examiná-la de todos os ângulos. — Porém, acho que preferia o ruivo. |
— Que Sra. Biggins não ouça suas palavras — retrucou Mary, seus lábios começando a se curvar em um sorriso. — Agora, venha cá e me dê um abraço. |
Rindo baixinho, ambas as amigas responderam ao seu pedido e se envolveram em um abraço caloroso que animou o espírito de Mary. Era muito bom estar com elas novamente. |
— Ah, eu senti muita falta de vocês este ano! — Ela as apertou com mais força, lágrimas brilharam em seus olhos, e elas retribuíram o abraço. |
Finalmente, as jovens se afastaram, e Mary secou o rosto com um gesto brusco. Estar com a família Hood era delicioso, mas ela não era lá muito boa em fazer novas amigas, e a ausência de suas companheiras de infância era algo bem difícil de lidar. |
— Bom, você não vai mais sentir tanto a nossa falta — disse Lily. — Iremos para Londres este ano. |
O queixo de Mary despencou de surpresa. |
— Mesmo? Mas eu pensei… — A voz dela foi sumindo. |
Mary era a mais nova de suas amigas, com apenas dezenove anos, o que significa que as outras eram mais velhas que o padrão das debutantes de Londres. No entanto, essa era uma escolha própria delas, que nunca haviam se interessado em deixar o interior. |
Afilhada do Duque e da Duquesa de Frederick, Lily dizia que preferia evitar a sociedade se pudesse. Ela era uma autoproclamada mulher moderna e culta que preferia a vida tranquila do interior. Seus pais tinham inclinações parecidas: o pai era um respeitado pesquisador no campo da medicina (cujos experimentos salvaram a vida do Duque de Frederick) e a mãe, uma especialista em botânica cujos jardins eram famosos entre a elite. |
Josie, por outro lado, era filha de um fidalgo inglês com a filha de um marquês. A mãe dela tinha causado um escândalo quando se casou com alguém abaixo do seu nível por amor, mas a maioria achava a história muito romântica. Assim como a mãe, Josie adorava socializar e dançar, mas não importava quanto a mãe a pressionasse, ela se recusava firmemente a ir para Londres para uma temporada. Mary achava que provavelmente tinha algo a ver com os vizinhos de Evie, os primos absurdamente bonitos e elegíveis. Não importava o quanto negasse, Josie estava constantemente suspirando pelo irmão do meio, Joseph. |
— Evie nos quer lá — disse Lily com seu jeito brusco de sempre, dispensando a surpresa de Mary. — Escrevi para a minha madrinha e falei que estava interessada em participar de uma temporada. Uma temporada. — Ela revirou os olhos. — A Duquesa ficou eufórica. Eu parto em dois dias. — Soltou um suspiro enorme. — Aparentemente, preciso de um guarda-roupa completamente novo, e só as modistas da Bruton Street servem para a tarefa. |
— Elas são muito boas — Mary a tranquilizou. Lily fez uma careta. Ela realmente precisava renovar seu vestuário. Como detestava fazer compras em geral, os vestidos dela estavam há anos fora de moda. Não importava em Derbyshire, mas importaria em Londres. |
— Bem, estou ansiosa por minhas novas roupas — disse Josie, sacudindo a cabeça. Mais alguns cachos escaparam do coque, que já estava torto e ameaçava despencar. |
As roupas masculinas contrastavam com o rosto de traços delicados, as curvas generosas do corpo e os cachos dourados emoldurando o rosto, dando a ela uma aparência feminina sem tirar a reputação de moleca que possuía. Sua pele estava bronzeada, as unhas, lascadas e as mãos, calejadas de manejar as rédeas. Era difícil até de imaginar. Muito diferente de Lily, Josie gostava de compras, moda e babados. |
Enquanto Lily abraçava o papel de moderna em todos os sentidos, Josie vivia para contrariar expectativas. |
— Vai apenas para esta temporada também? — perguntou Mary, divertida. |
— Vai depender se eu conseguir ou não achar um marido. — Deu de ombros com indiferença. |
Lily revirou os olhos, dando a Mary um olhar revelador. |
— Os primos da Evie também vão para Londres este ano. |
Ah, claro. O súbito entusiasmo de Josie por Londres fazia mais sentido agora. Ela não ia gostar se Joseph fosse para lá e voltasse com uma noiva. |
— Não tem nada a ver com isso. —Josie cruzou os braços sobre o peito, emburrada. — Evie me pediu para ir a Londres, então irei. |
— E por isso sou muito grata — disse uma voz brincalhona da porta. |
— Evie! — Todas gritaram, se virando e pulando em cima da última integrante do grupo. |
Mary se jogou em Evie, a abraçando e perdendo o fôlego quando as outras duas se jogaram contra ela por trás. Todas se abraçaram e gritaram, risadas femininas enchendo o ar. Finalmente, estavam completas novamente, e o coração de Mary estava repleto de afeto e felicidade. Ela amava a casa de seus tios e primos, e suas esposas que estavam se tornando suas amigas, mas não era a mesma coisa que estar com as melhores amigas. Fazia muito tempo que as quatro não ficavam juntas. |
— O que aconteceu com o seu cabelo? — Evie perguntou, se afastando do abraço para inspecionar a cabeça de Mary. Como Mary era a mais baixa e Evie, a mais alta, ela tinha uma boa vista. Mary gemeu. |
— Sra. Biggins — disseram Josie e Lily simultaneamente, sorrindo maliciosamente uma para a outra. |
— Realmente é bem bonito — disse Evie, inspecionando os cabelos loiros de Mary de perto. Seu cabelo era tão escuro, que parecia preto, ao menos até ser comparado aos cabelos negros e brilhantes de Lily. |
— Eu pensava que o loiro te apagaria, mas ainda sobra um restinho de ruivo para não deixar que isso aconteça. — Josie balançou a cabeça pensativa, juntando-se à inspeção capilar de Evie. — Será que vai te ajudar a achar um marido? |
— Espero que não. — Mary franziu o nariz, se afastando das amigas. — Se um homem só me quer pela cor do meu cabelo, não é o homem certo para mim. |
— Bom, pelo menos você é sensata quanto a isso — murmurou Lily, lançando um olhar na direção de Josie. Uma vez, Josie ficou com a pele de um tom de vermelho escarlate ao se expor ao sol tentando clarear o cabelo depois de um evento dramático em um piquenique: Joseph dançou com a loiríssima senhorita Sarah Winston. — Mas eu gosto mais da sua cor natural. |
— Por que estamos falando do meu cabelo de novo em vez de por que Evie nos reuniu aqui? — Mary perguntou, exasperada. — Quero saber por que me fez seguir um libertino na temporada passada. |
— É, e eu queria saber por que me mandou ficar importunando meus contatos por informações sobre as delegações francesa e russa — disse Lily, indo até a escrivaninha de Mary para pegar o que deviam ser suas correspondências. Ela era uma inveterada correspondente de inúmeras figuras influentes e intelectuais da Grã-Bretanha e do restante do continente. |
Josie andou rapidamente até a cama de Mary, reivindicando um cantinho onde pudesse se encostar confortavelmente na cabeceira. Só então percebeu que todo mundo a encarava. |
— O quê? |
— Estou esperando sua reclamação — Evie respondeu com sarcasmo, um sorriso torto bailando nos cantos dos lábios. — Apesar de que, imagino, você não tenha considerado cuidar dos meus primos como um grande sacrifício. |
— Elijah foi um pouquinho problemático, mas eles já estão acostumados com a minha presença em Camden Hall — Josie disse com um dar de ombros indiferente que não enganou ninguém. Mary soltou uma risadinha. |
Elijah era o primo mais velho de Evie e, na opinião de Mary, o mais bonito. Não que ela quisesse se casar com ele. Era arrogante demais para o seu gosto e sempre estava viajando. Ao contrário dos pais, Mary era do tipo caseira e não queria um casamento em que fosse sempre deixada sozinha. Já tinha vivido o suficiente disso na vida. Josie e ele estavam sempre batendo de frente, o que provavelmente explicava por que ela tinha botado seus olhos em Joseph. |
Lily se acomodou na escrivaninha de Mary, dedos pousados sobre os papéis, o que fez Mary se juntar a Josie na cama enquanto Evie parava diante delas. Evie fora a última a se juntar ao grupo de amigas, depois que o tio Oliver a trouxe para morar com ele quando tinha quatorze anos. Órfã, era a única moça em uma casa cheia de homens. Teve uma vida meio selvagem por ter passado vários anos nas ruas de Londres até que o tio a encontrasse. Olhando para ela agora, naquele vestido verde de passeio lindíssimo que combinava perfeitamente com seus olhos, era difícil acreditar que se tratava da mesma pessoa, contudo Evie era ainda melhor em se adaptar a mudanças do que Josie. |
— Como todas vocês sabem, meu tio Oliver é o principal espião da Inglaterra — Evie começou formalmente, fazendo todas se sentarem retas. Elas eram algumas das poucas pessoas que sabiam daquilo, e apenas porque todas juraram levar para o túmulo aquele segredo. Também sabiam que Evie se metia nos assuntos do tio tanto quanto possível, para o desgosto dele e dos primos. |
— Então é coisa de espionagem? — Josie perguntou, parecendo animada. Evie lhe lançou um olhar reprovador, e ela se calou. O coração de Mary começava a bater mais rápido. Se de excitação ou ansiedade, ela não tinha certeza. |
— Eu esperava mantê-las longe disso tudo — confessou Evie com um suspiro, seguido de uma careta. — Infelizmente, há correntes perigosas fluindo por baixo da superfície, e não consegui me livrar delas. Alguém está fazendo uma jogada muito, muito longa, e nem eu nem meu tio conseguimos enxergar o objetivo final. — Evie costumava falar como se ela e o tio Oliver fossem iguais, embora ele nem sempre estivesse ciente do que a sobrinha andava fazendo. |
— Manter-nos longe de quê? — Lily não parecia compartilhar da mesma empolgação de Josie ou das preocupações de Mary. Como sempre, estava calma e séria. Diferente das outras duas amigas de Mary, Lily não mudava nem em aparência nem em comportamento, estivesse ela em um baile, com as amigas ou em um passeio pelo campo. — Você não pode simplesmente ditar ordens e esperar que as sigamos por meses a fio. Não somos soldados. |
— Eu seria péssima se fosse um soldado. — Josie sorriu, mas foi passageiro, pois logo ela também se concentrava em Evie. — Onde você esteve? Seu tio disse que você estava na França dois meses atrás e, na semana seguinte, ele passou a tarde inteira praguejando seu nome. Quando Elijah perguntou, seu tio disse que havia perdido o seu rastro. |
— Ele disse isso na sua frente? — Mary estava horrorizada. Oliver Stuart era conhecido por ser reservado, mesmo entre aqueles que não sabiam que ele era o chefe dos espiões da Inglaterra, ou seja, quase todo mundo. |
— Não — admitiu Josie. Ela piscou, a imagem viva da inocência pura. — Por acaso, eu perdi um brinco bem próximo à porta do escritório de Lorde Camden quando Elijah estava lá com ele. Não pude evitar e escutei. — Como ele é o mais velho e herdeiro dos dois títulos de Lorde Camden, não era surpresa que estivessem discutindo tais segredos. |
Todas soltaram rapidamente o ar pelo nariz. |
— Eu estava na França — confirmou Evie, retomando o fio da conversa. — Estava em uma viagem, me divertindo, para variar um pouco, quando recebi uma carta do tio Oliver me pedindo para pegar um pacote com um dos homens dele. Deveria ter sido completamente rotineiro. — Os lábios se contorceram, uma luz estranha se acendendo em seus olhos. — Embora nem tudo tenha sido ruim. |
— O que você quer dizer com isso? — Lily se inclinou com curiosidade, mas Evie balançou a cabeça como se estivesse voltando a si mesma. |
— Não importa. O importante é que impedimos uma tentativa de assassinato do Duque de York no mês passado graças à informação que recebi. |
Mary deu um suspiro audível junto com as amigas. O Duque era atualmente o terceiro na linha de sucessão. Se tal tentativa fosse bem-sucedida, teria causado um caos na família real e na sociedade em geral. |
— Um assassinato? E não ouvimos nada? — Josie soou quase indignada, embora as notícias chegassem ao interior a passos lentos. |
Evie balançou a cabeça. |
— Ninguém sabe ainda, fora os homens do meu tio e vocês três. — Ela fez uma pausa por um momento. — Bem, e o Duque de York, claro. |
— Por que nos contar? — Lily questionou. Era uma boa pergunta. Evie costumava ser mais reservada sobre os negócios do tio. |
A jovem passou a mão no rosto antes de encontrar os olhares delas, a cabeça girando lentamente entre as três melhores amigas. |
— Preciso da ajuda de vocês. — Ela fez uma careta. — No momento, temos muito pouco com o que continuar. A informação que o meu… um homem do meu tio forneceu era pouco mais que um boato. Se os soldados não estivessem atrás dele, provavelmente teríamos descartado tudo. |
— Quem é o homem? — Mary perguntou, captando a leve hesitação na voz de Evie quando ela falou dele. O olhar afiado que recebeu em resposta confirmou sua suspeita. |
— Ninguém importante — Evie disse depressa demais, aumentando o interesse das amigas. Ela suspirou. — O nome dele é Anthony Browne, e sim, ele é bem bonito, e podemos ter tido… um momento. Posso voltar para o perigo que cerca nosso país agora? |
A pergunta aquietou as amigas. Mary sentiu uma pontada de culpa, mas, sinceramente, o que esperavam? O que ela, Josie e Lily poderiam fazer? Evie era uma espadachim e atiradora altamente habilidosa, uma atriz dedicada, que podia transitar por todos os níveis da sociedade sem chamar atenção, eternamente uma mulher em busca de emoção. Ainda assim, poderia escutar o que Evie queria e tentar fazer seja lá o que ela pedisse. |
— Você acha que foram os franceses ou os russos? — Lily perguntou devagar. Ela esfregou os dedos manchados de tinta sem perceber que estava fazendo isso, como se já estivessem coçando para pegar uma pena e começar a escrever. |
— Pode ser qualquer um deles, ou algo pior… traição. — A expressão de Evie estava sombria, e o peito de Mary se apertou quando seu coração começou a bater forte. Certamente ela não podia suspeitar… |
— O Marquês de Hartford… Você me pediu para vigiá-lo porque ele poderia ser um traidor? — Mary ficou horrorizada. Para seu alívio, Evie negou com a cabeça. |
— Não. Bem, provavelmente não. O nome dele apareceu algumas vezes, mas sempre ligado àquela sociedade secreta dele. — Aquela sobre a qual Mary não havia conseguido descobrir praticamente nada. Evie se inclinou para frente, baixando a voz, mesmo não havendo ninguém por perto para escutar. — Preciso que todas vocês estejam atentas nesta temporada. Preciso saber de cada fofoquinha que vocês puderem farejar, por mais irrelevante que pareça, especialmente se tiver a ver com essa sociedade secreta, os russos, os franceses ou a Coroa. Não temos ideia de onde virá a próxima ameaça. |
Mary sentiu um calafrio percorrer seu corpo. |
— Por que nós? — Josie perguntou, franzindo o cenho. As outras três olharam para ela, surpresas. — Estou mais do que disposta a cumprir meu dever para com o país, mas como podemos descobrir sobre algo que os homens do seu tio não conseguem? |
— Ela tem razão — disse Lily, dando de ombros. — Ninguém vai querer falar sobre assuntos clandestinos com uma debutante. |
— Na verdade, mal querem falar conosco sobre qualquer assunto — murmurou Mary. Bem, isso não era inteiramente verdade. Havia algumas debutantes com quem todos queriam conversar, mas eram a exceção, não a regra. A maioria das moças com o maior contingente de cavalheiros em volta eram grandes beldades ou tinham grandes dotes, e sua habilidade em conversar, ou falta dela, tinha pouco efeito no desenrolar das coisas. — No entanto, podemos aprender muito apenas ouvindo. |
— Exatamente — Evie concordou com firmeza. — Mary conseguiu ouvir uma coisinha ou outra sobre o clube secreto do Hartford. |
— Não muita coisa, só que ele existe. Todo mundo sabe que o marquês está ligado ao clube, mas ninguém sabe nada a respeito do clube em si. E quem talvez saiba não fala por nada neste mundo. Às vezes, eu me pergunto se é real mesmo ou só boato. — Mary tamborilou o dedo contra o lábio inferior enquanto pensava alto. |
— Ah, é real, sim — Evie disse com ar sombrio. — E alguém de lá está ligado à tentativa de assassinato do Duque. |
Real. Se Evie dizia com tanta certeza, Mary tinha de acreditar. Uma pequena parte dela experimentou certo sentimento de pesar. Se aquele rumor ridículo era verdade, talvez os outros sobre Hartford também fossem. Saber daquilo deveria ter neutralizado o charme do homem, mas Mary continuava tão intrigada por ele quanto antes, senão mais. Ela havia passado uma temporada inteira observando-o de longe enquanto Hartford cortejava Arabella, até que um incidente com o primo de Mary, Thomas, terminou em casamento, e então Hartford olhou em volta do baile em busca de uma nova possível noiva. |
Claro, ele não olhou na direção de Mary. Ela não esperava que olhasse. Tampouco deveria ter desejado que olhasse — ele era um libertino, uma péssima perspectiva de marido e estava possivelmente ligado a um caso de traição ao seu país. Com sinceridade, achava difícil acreditar que ele tivesse qualquer coisa a ver com a tentativa de assassinato, mas nem sempre as pessoas são o que pareciam ser. Se ao menos ele não fosse tão bonito, charmoso e interessante… Tinha sido muito difícil não babar por ele da mesma forma que Josie fazia por Joseph Stuart: apaixonadamente e a uma distância meticulosamente calculada. |
Nas poucas vezes em que Mary chegou perto de Hartford depois daquela primeira vez em que ele a encarou com intensidade, parecia que o marquês nem a conhecia, tampouco se apresentou. Embora parte dela entendesse que era porque jovens virgens e decentes como ela não deveriam conviver com libertinos inescrupulosos como ele, ainda assim foi uma experiência humilhante, principalmente porque ela não conseguia nem pensar no homem sem sentir arrepios. |
— Mary? — A voz de Evie interrompeu seu devaneio, e Mary corou violentamente ao ser pega no flagra. — Você está me ouvindo? |
— Sim, sim, claro, vou ajudar de novo. — Mary assentiu, tentando ao máximo fingir que estava prestando atenção. |
— Ótimo. A esposa do seu primo, Arabella, pelo que parece, ainda é amiga de Hartford, apesar de tê-lo trocado pelo seu primo, o Lorde Hood. Quero que você use essa conexão para descobrir mais sobre ele e suas amizades nesta temporada. Qualquer coisa que possa nos ajudar a trazer à tona informações desse clube e seus membros. — Evie franziu o cenho. — Mais sobre ele também. Não acho que ele esteja ligado à tentativa de assassinato, mas quero considerar todas as possibilidades. |
Certo. Claro. Que maravilha. |
Aprender tudo que pudesse sobre o Marquês enquanto tentava manter sua reputação intacta. Arabella provavelmente ficaria feliz em ajudar, mas, levando em conta a sua impulsividade, Mary não tinha certeza se a esposa do primo poderia ser confiável a ponto de guardar segredos. Especialmente se ela decidisse passar mais tempo com Hartford. Thomas teria um treco. |
Mas… |
Traição. |
Mary não era o tipo de pessoa que poderia ignorar um chamado e não fazer o seu dever. Ela só teria de se preparar e fazer o melhor que pudesse. |
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